Como ela
consegue ? Um abrir de olhos dela ao amanhecer parece o nascer de uma nova
vida, um novo ano que surge a cada vinte e quatro horas de um ciclo que se
depender de mim poderia ser infinito, como no filme Amor Além da Vida, que o
amor vence o julgamento entre céu e inferno. Um sorriso dela é simplesmente um
abrir de cortina numa mansão vampiresca escura e praticamente sem vida. Quando
os raios de sol penetram a camada fina de vidro é praticamente a descoberta de
um novo mundo. O toque dos pés dela no chão, nem apressados, nem preguiçosos
demais. Pra que ? Era dia de folga, era dia dela levantar mais feliz do que de
costume, acariciar nosso gato que chamávamos carinhosamente de filho. Ela dava
vida à aquele apartamento, antes repleto de sujeira, latas de Pepsi espalhada pelo
chão, caixas e mais caixas de pizza cobertas por formigas numa pequena lata de
lixo ao qual minha preguiça era quase incapaz de limpar todo dia. Mas
sinceramente, a melhor parte do dia era vê-la mexer numa radiola velha que eu
acreditava não funcionar mais, colocar The Corrs como som ambiente, me abraçar
por trás enquanto "concentradamente" fingia estar preparando o melhor
prato do mundo para a rainha da Inglaterra. Era esplêndida a forma que ela dava
vida a tudo que fazia com aquele sorriso. O segurar da vassoura e o inglês que
parecia superar até a própria Andrea Corr era praticamente um tormento pra mim,
que tinha que prestar atenção no fogão, ao mesmo tempo que ela me hipnotizava
com aquele short curto de dentro de casa, aquela camisa minha surrada do AC/DC
do primeiro Rock In Rio que fomos juntos e aquele rabo de cavalo... Aquele rabo
de cavalo que todo leitor masculino deve ter lido bem devagar, apertando o olho
e pensando na atriz pornô predileta. Sentindo que precisava agir, dei um grito
desesperado como se algo de grave tivesse acontecido. Enquanto ela desesperada
corre pra cozinha e me pergunta o que houve, dou-lhe um abraço, seguido de um
beijo como um fã atacaria seu ídolo depois de conseguir subir no palco,
dizendo-lhe - Nada, só não tava mais resistindo a esse meu pequeno raio de sol.
Ela sorri enquanto me beija, me chama de besta e sai me olhando de canto, me
atiçando... Sabendo que eu não podia me ausentar. Queria caprichar no nosso
primeiro almoço juntos, no nosso primeiro dia de "casados". Estávamos
nos adequando a idéia de casar. Aquele chamado período de experiência que as
empresas fazem com novatos, sabe ? Pois bem, nos dávamos bem, sabíamos
conversar e chegar num denominador comum, eu sempre concordando com ela a
maioria das vezes... Mas é isso que todo macho alfa faz. Você acha que com você
será diferente ? Basta olhar a genética da sua família e amigos. Ela conseguia
me fascinar de um jeito mais que perfeito do que quando fomos apresentados
informalmente. Esqueça aquelas histórias em que os nossos olhos se cruzando e o
destino nos unindo... Foi apenas uma distração da minha maldita playlist que
insistia em tocar a música que não me agradava no momento. O desespero ao ver
meu celular ir ao chão, o palavrão engasgado na garganta, logo engolido por uma
visão jamais esquecida, aquele sorriso enorme de sem graça ao me pedir desculpa
foi instantâneo pra me acalmar, não o suficiente pra fazer qualquer tipo de
piada indireta. Ainda hoje tenho um certo receio de mexer com mulher na rua,
sei lá, hoje em dia só de você roçar em uma no ônibus é motivo de tomar facada,
imagine num shopping ? Mas por incrível que pareça, olha quem eu encontro na
fila do cinema ? Aquele enorme sorriso que me fez colocar logo o celular no
bolso com cara de assustado, só pra prolongar o tempo e eu contemplar mais
ainda aquela bela visão. Visão que com uns poucos anos viria a se tornar
continua na minha vida, cada vez mais presente e sorridente. Seja tirando foto,
fazendo careta, nas nossas idiotices praticadas diariamente... Visão que queria
ter o máximo possível de tempo nessa minha curta passagem pela Terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário